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Não sou personagem deste século. Sou remanescente do século 20 do qual vivi os 55% finais. Nasci ao término da Segunda Grande Guerra e, portanto, me foi permitido vivenciar o surgimento de armas nucleares, Guerra Fria, "rock and roll", juventude rebelde, revolução feminista, informática e internet, viagens espaciais, biotecnologia e clonagem de seres vivos, telefonia celular, redes sociais, etc e etc... Também na vida pessoal as missões que me impus cumprir, intentei-as no século passado e, bem ou mal, persegui ideais, propósitos, objetivos. Hoje sou mero espectador, não mais ator.
Não viverei para desvendar os caminhos da humanidade neste primeiro século do segundo milênio, o 21 no calendário gregoriano. Mas eles certamente estão sendo forjados, há sementes por brotar, há realidades por parir.
E eis que me deparo com experiência brutal e intensa, que ainda não tinha vivido: uma endemia que causa multidão de hospitalizações e milhares de óbitos, com agressiva propagação a qual obriga a resposta da paralisação social e econômica das nações para que os cidadãos resguardem-se no isolamento. Cartão de apresentação do novo século? Seria o portal para grandes transformações?
Tenho lido muito a respeito. Variados pensadores debruçam-se sobre o tema. Alguns olham para a história e argumentam: uma epidemia (varíola, pela descrição da época) teria apressado o ocaso do Império Romano; a peste bubônica ou peste negra, dizimando boa parte da Europa, encaminhou o fim dos tempos medievais; a gripe espanhola junto com a 1ª Grande Guerra teriam sido passaportes para o século 20; e se começou com uma grande endemia, o século anterior se encerrou com a Aids e as mudanças culturais e sociais que provocou. Portanto, o coronavírus, na sua versão Covid-19, seria arauto ou acelerador de algo novo.
Existem os otimistas. Depois da noite, a madrugada. Após a tempestade, a bonança. A humanidade acordaria para a necessidade de cuidar da natureza, alteraria o estilo de vida e desenvolvimento, seriam mais fraternas as pessoas.
Mas, temos as reflexões pessimistas: o caos econômico e social, crise como a da Grande Depressão, iras coletivas, ascensões autoritárias que nem na primeira metade do século 20.
Vamos traçar uma linha realista? O impacto será grande e, portanto, mudanças profundas poderão acontecer. Porém, o ser humano continuará com virtudes e defeitos e assim teremos novidades boas e ruins, atitudes construtivas e destrutivas, individuais ou coletivas, como sempre. Se olharmos para trás, a humanidade passou por abissais mutações no 20º século, para o bem e para o mal.
O mundo pós-pandemia provavelmente terá grandes transformações que ainda não podemos aquilatar. Serão surpreendentemente boas e ruins, porque os humanos continuarão com ideais e limitações, intenções de construir ou destruir.
Reflexões de quem está completando, neste abril, 75 anos.